Algum tempo antes da edição do artigo abaixo, havia sido exibido uma reportagem sobre limoeiro em um jornal da globo, considerada por muitos um tanto injusta. Tô postando ela aqui pra pra guardar de recordação. Até me surpreendi que já é de 3 anos atraz. Oo
A mídia contempla a miséria
Ao contrário da terra árida e ressequida mostrada na reportagem, Limoeiro do Norte é hoje a principal região fruticultora do Ceará, sendo o maior exportador brasileiro de abacaxi e melão
Melquíades Júnior
[06 Novembro 01h52min 2004]
É dever e função da mídia mostrar a realidade dos diversos recantos do planeta e os contrastes, que sempre há. Recentemente, a TV Globo apresentou reportagem sobre o Limoeiro Futebol Clube, time da 3ª divisão do Brasileirão. A matéria quis mostrar as dificuldades de um time sem recursos financeiros. Nada mais real, afinal nesse universo desportivo cheio de luxo e glamour, existem aqueles que não tiveram a mesma oportunidade, vivendo nos rincões pobres do país.
Para contextualizar a vida do time, os repórteres mostraram da cidade tão-somente uma imagem estereotipada do sertão semi-árido do Nordeste. De enxada na mão e sob sol escaldante, crianças e mulheres, moradores de barracos, lutavam contra a terra seca, em favor da sobrevivência. Indagado sobre o que quer ser quando crescer, um garoto respondeu: gente! Isso comove qualquer telespectador. E foi essa a intenção. Como sempre, a contemplação da miséria, aliada a imagens fortes e um texto poético faz da matéria mais um retrato fiel do estereótipo de Nordeste.
Mas a realidade de Limoeiro vai além da miséria de seus moradores e da garra e força do time de futebol. O município de 107 anos possui riquezas, resultado de um progresso nem de todo democrático, mas verdadeiro. Limoeiro tem, sim, casas de tijolo, ruas asfaltadas, prédios, hotéis de luxo, bancos, jornal e internet; possui centro tecnológico - com equipamentos entre os mais avançados do país - faculdades, artistas, a exemplo dos desenhistas que trabalham para a DC e Marvel Comics, empresas americanas produtoras dos desenhos de ficção; tem ainda uma Academia de Letras e é importante pólo educacional no Estado. Enfim, é uma cidade.
Ao contrário da terra árida e ressequida mostrada na reportagem, o município é hoje a principal região fruticultora do Ceará, sendo o maior exportador brasileiro de abacaxi e melão, pérolas da economia cearense. A utilização mercadológica da terra não tem permitido riqueza em abundância para todos, mas esse problema não é exclusividade nordestina.
A miséria existe no sertão semi-árido, não é pouca e não há pretensão de renegá-la. A cada contemplação midiática da miséria no Nordeste é favorecido o mito e o determinismo de nordestino sofredor, ignorante, faminto, só. Imaginem se do Rio de Janeiro a TV só mostrasse as favelas e a exclusão social nelas simbolizadas. No mínimo, o telespectador só lembraria do caos, quando que nem mesmo a favela é só isso.
A crítica não é simplesmente a uma reportagem que, por sinal, tratou de enaltecer a perseverança dos atletas do time, mas a uma cultura de mídia que obedece a um estereótipo e, na busca de audiência fácil, contempla e perpetua a miséria do brasileiro, mostrando uma verdade incompleta do que é sertão hoje. Da forma como é apresentada, a miséria não é refletida, mas tão somente contemplada.
O importante é que a narrativa poetizada cativou, e as imagens da sertaneja descalça ao sol escaldante e sob o lombo de um jumento errante dão uma bela fotografia. E o telespectador é compelido a contemplar essa doce e bela miséria. Até quando?
MELQUÍADES JÚNIOR é professor de ensino médio e estudante de Ciências Sociais pela Universidade estadual do Ceará (Uece)