Alan Moore, numa entrevista, numa pergunta sobre processo de criação e construção dos personagens
Você tem que amar os personagens. Isso foi algo que eu descobri quando estava escrevendo V de Vingança. Quando fui escrever os nazistas eu percebi que estava tratanto eles quase como caricaturas de nazistas. Todos eles, mais ou menos, tinham monóculos e os clichês de sempre. E eu pensei "Nazistas de verdade não são assim, nazistas de verdade são pessoas normais." É de lá que eles vieram. Eles eram limpadores de rua e padeiros e açougueiros que apenas colocaram um uniforme quando lhes pediram isso. Então, eu tentei criar seres humanos críveis que tivessem escolhido o fascismo por alguma razão, e descobri que alguns deles ainda eram personagens desagradáveis, mas provavelmente para entender os personagens você tem que amá-los de alguma forma, olhá-los sem julgamento e sentir um pouco de pena deles. Isso enriqueceu em muito os personagens de V de Vingança, acrescentou uma tridimensionalidade a eles, transformou a história em uma luta tridimensional ao invés de um trabalho moralista bidimensional com um glamouroso herói anarquista romântico lutando contra um monte de bonecos de papel fascistas. Essa foi uma lição que eu levei para todo o meu trabalho, que você tem que ter compreensão por todo mundo.
Em Lost Girls, na cena final, quando você tem aqueles soldados quebrando o quarto e dizendo um monte de coisas desagradáveis sobre mulheres, apenas levando uma conversa casual, não é que eles sejam figuras odiosas, eles são homens que estão frios e solitários e gostariam de estar em outro lugar, e eles provavelmente vão morrer num conflito que não foi explicado a eles direito e preferiam estar em casa, na cama com suas esposas.Você tem que ter simpatia.
Eu estou convencido que se você olhasse no coração de todo mundo, no planeta, é muito provável que você iria achar algo lá que você poderia amar, algo que você poderia respeitar. Pode haver uma enorme massa de coisas que são absolutamente horríveis, mas eu estou convencido que em todo mundo há um fragmento de algo pelo qual você pode sentir simpatia, que você pode olhar para alguém que se tornou um monstro e voltar a algum ponto na infância deles e pensar "Bem, você também não teve muita chance não é mesmo? Você tomou algumas decisões ruins, eles estavam olhando ao redor de você para te dar as pistas certas, e você terminou como um monstro imperdoável". Eu acho que isso é importante. Você tem que ter simpatia pela pior das criaturas se quiser ser um escritor bem sucedido.
A pergunta anterior tambem era boa:
Minha teoria da personalidade humana é de que todo mundo tem uma espécie de gema com um milhão de facetas em algum lugar dentro de si e, quando nós construímos nossa própria personalidade, nós simplesmente polimos quatro ou cinco dessas milhões de facetas.
Existe a voz da personalidade com a qual falamos com nossos colegas, existe a voz com a qual falamos com os nossos pais, com as pessoas que amamos, e assim por diante, mas isso ainda são apenas quatro ou cinco facetas. Nós poderíamos ter polido quaisquer dessas facetas, então eu acho que nós todos temos todo um elenco em potencial dentro de nós, nós somos apenas aqueles nos quais focamos. Então essa é a maneira através da qual eu sempre lidei com caracterização.
Com um personagem como Rorschach, eu simplesmente tenho que me colocar nesse estado mental e, sim, eu tenho horríveis e negras fantasias de vingança, ou já as tive, tanto quanto qualquer um. E eu acredito que estava pensando "Bem, e se tudo que existisse de mim fosse só isso? Só essa vontade de punir os culpados?", e você começa a criar o personagem a partir disso. Com Dr. Manhattam, sim, por que eu tenho uma memória muito, muito boa, algumas vezes eu tenho a sensação de "Sim, está tudo acontecendo ao mesmo tempo. Eu posso me lembrar exatamente como era cinco anos atrás quando eu estava tendo uma conversa com essa pessoa, e agora nós estamos tendo uma conversa diferente com pessoas diferentes e esses eventos se sobrepõe e eles são muito intensos" e conforme você fica mais velho você nota isso mais, e então o Dr. Manhattam foi uma expressão disso. O Coruja foi uma expressão do tipo de garoto escolar romântico que meio que nunca cresce, e sim eu tenho isso em mim em algum lugar também, e o Dr. Gull, quando eu estava escrevendo Do Inferno, Melinda disse que eu tinha uma espécie de capa de maldade Vitoriana meio que amarrada ao redor de mim, quando eu estava apenas falando normalmente, havia essa gravidade muito pesada que eu associava ao Dr. Gull.
Você tem que entrar nos personagens, sabe? E ao mesmo tempo todos os personagens, os mais cheios de exuberância e prazer, são todos parte de mim. Os infelizes, melancólicos e solitários, os personagens psicóticos, eles são todos parte de mim. Eu estou reconhecendo isso.
Adorei!